Monday 17 November 2014

Isto é publicidade

O que é geralmente entendido como "publicidade" pelas instituições culturais é um anúncio num jornal ou numa revista com base no cartaz de uma exposição ou espectáculo e que informa sobre o quê - onde - quando. Às vezes, esse conceito é transportado para um spot televisivo, onde é feita alguma “animação” usando a imagem e letras do cartaz, e onde a informação sobre o quê - onde - quando é também transmitida por via oral. Isto é, factos.

No ano passado, vi no You Tube o spot publicitário de uma exposição do Museu Nacional Checo em Praga, que me fez pensar. Estava relacionado com a exposição em 2008 do documento original do "Acordo de Munique", que tinha sido assinado 70 anos antes, em 1938. Este foi um acordo entre Grã-Bretanha, Alemanha, Itália e França, que permitiu que territórios checoslovacos de língua alemã fossem entregues a Hitler.


Isto não é definitivamente o spot televisivo habitual de o quê - onde - quando. Temos aqui um museu a transmitir uma mensagem e a dirigir um convite tendo um bom conhecimento do contexto social – político – cultural em que se insere e com sentido de humor. Curto, intrigante e bastante ousado, considerando o que os museus, em geral, nos têm habituado. O spot comunica com os cidadãos da República Checa e com todos nós, sem serem necessárias palavras.

Mais recentemente, fiquei muito agradavelmente surpreendida com um anúncio "Made in Portugal". A terceira edição do Festival de Teatro de Montemor-o-Novo foi organizada pela Câmara Municipal de Montemor-o-Novo, juntamente com uma série de grupos de teatro locais, contrariando as dificuldades financeiras sentidas no sector cultural, apresentando-se por toda a cidade e com o objectivo - entre outros - de envolver a população local, independentemente da sua idade, educação, conhecimentos ou hábitos prévios de assistir a espectáculos de teatro.



O sentido de humor neste spot voltou a conquistar-me. A segunda coisa em que pensei foi que “soou” verdadeiro, considerando a missão e os objectivos do festival, especialmente a preocupação em envolver a comunidade local, que se torna aqui no protagonista.

O terceiro exemplo que gostaria de apresentar é também "Made in Portugal" e é mais do que um anúncio, é o que se pode chamar uma campanha. "Maria & Luiz" é o esforço conjunto dos dois teatros municipais de Lisboa (Maria Matos e São Luiz) para forjar uma relação com as pessoas, através da criação de um cartão que custa €10 e que oferece 50% de desconto ao longo de um ano. A campanha é composta por sete pequenos filmes.


Sete pequenos filmes, sete histórias de romance, vanguarda, drama, música, expressão, encanto, fantasia. Os ingredientes do quotidiano de pessoas muito diversas, reflectida de volta para nós quando nos encontramos numa sala de teatro.

O objectivo da publicidade é construir mensagens capazes de influenciar comportamentos em relação a um produto ou a uma ideia. Agora que coloquei estes três exemplos juntos, percebo que o que têm em comum, para além de sentido de humor, é que estão centrados nas pessoas com as quais desejam comunicar. Não factos, pessoas. A história não é apenas o documento ou o festival ou o cartão de desconto; a história não é contada pelo curador, pelo artista ou pelo gestor. As pessoas comuns tornam-se nos protagonistas e narradores. As pessoas comuns são a razão de existir das instituições culturais. É esta a ideia que eu vejo por trás do conceito, é esta a mensagem. Num meio habituado a comunicar com os “seus” – com aqueles que já fazem parte, com aqueles que “percebem” – fico feliz por ver que alguns de nós optam por um outro caminho, por uma outra relação.


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Monday 3 November 2014

Será a Giselle uma curadora?

Giselle Ciulla, Clark Art Institute (imagem retirada do website)
Serão todas as pessoas que se sentem fascinadas com a medicina, que seguem as notícias, que ficam maravilhadas com os avanços registados e que os compartilham com outras pessoas, "médicos"?

Será uma pessoa deslumbrada com as estrelas, que lê sobre elas, que tem um telescópio e que faz observações, um "astrónomo"?

Serão todas as pessoas que gostam de arte, que já têm algumas peças favoritas e que desejam partilhar e discutir os sentimentos e as ideias que estas obras lhes suscitam, "curadores"?

O que distingue um amador de um profissional e uma pessoa interessada de um amador? Esta não é propriamente uma questão original, mas o contexto em que os museus operam hoje em dia coloca-a novamente em cima da mesa.

Quando li pela primeira vez sobre o projecto uCurate do Clark Art Institut em Williamstown, EUA, fiquei muito entusiasmada com a ideia. Escrevi na altura que este é também o papel dos museus na sociedade, um papel que permite o envolvimento, a participação activa, que reconhece que há mais do que uma versão da "verdade" e que cria um lugar para estas serem partilhadas. Houve uma coisa, porém, que me fez sentir mais crítica: o facto da Giselle Ciulla, uma menina de 11 anos cuja proposta ganhou o concurso de 2012, ser mencionada no site do Instituto como "curadora".

Será a Giselle uma curadora? Será que o facto de ela ser uma jovem com interesses, ideias, necessidades, opiniões, que escolheu uma série de obras do acervo do Instituto e fez delas uma exposição, a torna curadora? Ou será que um curador é uma pessoa que – para além de ideias, necessidades e sentimentos – tem o conhecimento técnico que pode ajudar a fazer das ideias e das necessidades exposições interessantes, inspiradoras e relevantes, espaços abertos para serem discutidas mais que uma verdades, com a ajuda hoje em dia de pessoas que desejam ser envolvidas? A Wikipedia é um projecto colaborativo impressionante, para o qual as pessoas podem contribuir e onde podem partilhar os seus conhecimentos. Por trás das entradas, no entanto, há "curadores", que garantem que a informação partilhada é precisa, caso contrário, o projecto perderia a sua credibilidade. Que analogias poderíamos encontrar aqui com o mundo dos museus e os seus projectos de “crowdsourcing”?

Num artigo intitulado What is photography when everyone´s a photographer?, Joan Fontcberta é citado a dizer "Tirar uma fotografia hoje é fácil e pouca atenção é dada ao ofício. Isto significa que a qualidade da arte já não reside na fabricação, mas sim, na prescrição de significado". Quem é responsável por prescrever um "sentido" nos museus e por ajudar a cumprir as intenções? Ed Rodley afirma no seu post ’Outsourcing’ the curatorial impulse: “Se tivesse que caracterizar a essência da curadoria hoje em dia, seria ‘criação de sentido’”.

Longe de defender a figura do "omnisciente e todo-poderoso curador" e sendo muito a favor de todas as iniciativas que procuram envolver as pessoas interessadas no trabalho de museu (para que o que neles se apresenta possa ser o resultado de uma ampla participação e dos contributos de várias pessoas, e assim, mais relevante), não chegaria ao ponto de não distinguir ou de confundir os papéis dos envolvidos.

Num artigo recente intitulado Everybody's an art curator, Elen Gamerman aponta algumas das principais questões na debate actual: "A tendência está a provocar um crescente debate entre artistas, curadores e outros profissionais do mundo da arte sobre tudo, desde onde traçar a linha entre amadores e especialistas até o que constitui uma exposição “crowdsourced”. Até onde podem ir museus em delegar opções ao público? Quão firmemente devem controlar a votação sobre o conteúdo de uma exposição? E em que momento é que um museu começa a parecer mais um centro comunitário?".

Actividades com a comunidade no Santa Cruz Museum of Art and History (imagem retirada do blog de Nina Simon, Museum 2.0)
Boa pergunta ... Uma pessoa que frequenta o curso que estou actualmente a dar sobre Comunicação em Museus, depois de ver a TED Talk de Nina Simon Opening up the museum, perguntou: "O museu [Santa Cruz Art and History Museum, onde Nina Simon é a directora] integra os trabalhos feitos pelas pessoas que frequentam as suas oficinas nas suas colecções?". E eu gostaria de acrescentar: "Se sim, ficam com todos eles, com alguns, quais são os critérios?". Sou uma grande admiradora de Nina Simon e da sua visão sobre museus participativos, mas não devemos limitar a nossa avaliação do que ela está a tentar fazer a ganhos financeiros e número de visitantes. Há muito mais que isso e a Nina está a fazer aquilo que muitos outros directores de museu deveriam fazer: arrisca, experimenta, avalia.

O contexto em que os museus funcionam hoje é específico, mas toda esta situação não é propriamente nova. Acontece sempre que haja uma mudança significativa no ambiente externo (social, político, tecnológico). Há uma necessidade de repensar as coisas, planear de forma diferente, adaptar. Penso que o ambiente actual exige museus que sejam tanto sobre o presente como sobre o passado. Exige curadores que estejam preparados para trabalhar não apenas para os seus pares, mas também para as pessoas "normais" que desejam desfrutar o museu e que o vêem como parte das suas vidas e comunidades. Sim, isso significa prestarmos atenção e sermos sensíveis às mudanças que estão a acontecer. Sim, isso significa partilhar a autoridade e criar um espaço para diferentes visões do mundo. Sim, isso significa experimentar e correr riscos. Sim, isso significa desenvolver novos programas e capacidades. Não, isso não significa que os museus devem tornar-se em algo diferente, algo que não são (de centros comunitários a centros de saúde, serviços correctivos de jovens, etc.). Não, isso não significa que todos somos curadores. Não, isso não significa que possamos confundir projectos de “crowdsourcing” com projectos "dá-às-pessoas-o-que-elas-pedem".

Então, como fazer isso? Penso que os museus e os profissionais que neles trabalham devem centrar-se na sua posição competitiva. Devem concentrar-se no que os torna especiais, diferentes de outras instituições. Devem capitalizar os seus pontos fortes e desenvolver as capacidades necessárias para enfrentar e trabalhar com novas realidades. O objectivo final é permanecer vivo e relevante. E para isso é preciso também alguma atitude.


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